Opinião

Cândido, ou o Setor Elétrico 2

Os subsídios já cumpriram sua missão, pois as fontes renováveis já são competitivas e trilham o caminho para “El Dorado”. Entretanto, alguns segmentos beneficiados dessas políticas querem, obstinadamente, ofuscar esse brilho

Por Marco Delgado

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O trocadilho é quase inevitável. Então, voltemos a Voltaire. Trago nesse ensaio um trecho da obra “Cândido, ou o otimista” que lembra situações presentes em nosso setor elétrico. 

Cândido, após acometido por injurias, exposto ao escárnio e vivenciado outras malogradas situações encontrou o “El Dorado”. Lá, pedras e metais preciosos em seu continente europeu eram banais, usados como pavimento naquele rincão da América do Sul. Os grandes valores daquela sociedade eram a liberdade, a equidade e a fraternidade. Entretanto, Cândido manteve-se estoico a esse ambiente e logo voltou para sua saga: a de reencontrar sua amada Cunegunda e, assim, se regozijar em eterna felicidade.

Essa passagem da satírica novela de Voltaire recorda o contexto de análise e síntese das políticas públicas de subsídios e isenções tarifárias existentes no setor elétrico brasileiro, em especial àquelas aplicadas para promover as fontes renováveis. Se outrora os descontos sobre as tarifas de uso das redes elétricas para quem gera e contrata energia oriunda dessas fontes, bem como o sistema de compensação de energia elétrica aplicado aos prosumidores foram importantes ações impulsionadoras, hoje são desnecessários e, pior, perniciosos.

Se mantidos, intensificarão efeitos colaterais negativos, tendo como expoente a lamentável regressividade socioeconômica, pois esses subsídios são, ao cabo, bancados pelos demais consumidores de energia elétrica e, inclusive, de baixa renda. 

A boa nova é que aquelas políticas estimularam, de fato, os ganhos de escala, de tecnologia e de competitividade de tal sorte que as fontes renováveis, inclusive na escala de geração distribuída, poderão continuar a crescer de forma integralmente sustentável. Uma evidência contundente é a redução de custos dessas tecnológicas na ordem de 80% durante a última década e, ainda tem mais: continuarão decaindo, conforme projeções da International Renewable Energy Agency (Irena). 

Em síntese, os subsídios já cumpriram sua missão, pois as fontes renováveis já são competitivas e trilham o caminho para “El Dorado”. Entretanto, alguns segmentos beneficiados dessas políticas querem, obstinadamente, ofuscar esse brilho e manter às sombras evidências objetivas ao arrepio de dados e fatos apresentados por diversas organizações governamentais e não governamentais especializadas e, mais recentemente, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e, ainda, pela Medida Provisória n. 998/2020 que avança no Congresso Nacional.  

Como vimos no primeiro ensaio, Cândido, mesmo após o reencontrar Cunegunda não se reconfortou. A inquietude e a frustração só amainaram quando deixou o ócio e se dedicou ao trabalho, especialmente em cuidar do jardim de sua casa. Nesse segundo capítulo, destaco que essa lida não se realiza, exclusivamente, ao aplicar mais fertilizantes, pois o excesso pode contaminar lençóis freáticos e esterilizar o próprio solo. Nas metáforas ao setor elétrico, os subsídios e isenções tarifária podem ser o excesso de fertilizante que “contamina” as tarifas dos demais consumidores e, ainda, “esteriliza” o ambiente para inovar os modelos de negócios. A criatividade e o empreendedorismo, mesmo com volições hercúleas, dificilmente seriam competitivos face aos titânicos subsídios vigentes.

Por isso, com os valores do “El Dorado”, que se pautam por fatos e dados, esperamos os frutos da semeadura da boa causa: fontes renováveis, sim! Subsídios renováveis, jamais!

Marco Delgado é conselheiro da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Este é o segundo de dois artigos exclusivos de Marco Delgado para o EnergiaHoje. Confira o primeiro artigo.

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