Opinião

A proposta para prorrogação das concessões de distribuição

Em linhas gerais, as diretrizes e ideias iniciais da proposta do MME parecem positivas, ainda que dependam de maior aprofundamento

Por Mariana Saragoça

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Ao longo do último ano e de forma mais objetiva nos últimos meses, o setor elétrico intensificou a discussão sobre o tratamento a ser dado às concessões de distribuição cujos contratos vencem entre os anos de 2025 e 2031.

Ainda em agosto de 2022, publicamos o artigo A necessária discussão acerca da possibilidade de prorrogação das concessões de distribuição, alertando sobre a urgência de se debater o tema, em especial pelo exíguo prazo até o término da primeira concessão deste grupo – EDP Espírito Santo, cujo contrato de concessão expira em julho de 2025. À época, destacamos as alternativas legalmente previstas, i.e. nova licitação ou prorrogação, cuja opção, pelo Poder Concedente, deveria estar fundamentada na comprovação do atendimento ao interesse público.

No último dia 22.06.2023, o Ministério de Minas e Energia – MME publicou a Portaria nº 737/GM/MME, fundamentada na Nota Técnica nº 14/2023/SAER/SE, que abriu a Consulta Pública nº 152/2023 para discutir as diretrizes para prorrogação ou licitação das concessões de distribuição de energia elétrica vincendas.

Como também destacado no artigo supracitado, o MME reconheceu a especificidade das concessões de distribuição de energia elétrica e a dificuldade e riscos de se promover uma nova licitação concluindo que, como esperado pelo mercado, do ponto de vista técnico, é recomendável facultar a prorrogação das concessões. Isso porque as concessões de distribuição afetam grandes áreas geográficas contíguas. Assim, a inadequação na prestação de serviço por um novo concessionário, a ser escolhido mediante licitação, ou durante a transição entre concessionários, pode ter um impacto adverso concentrado sobre uma Unidade da Federação (ou sub-região dessa Unidade), inclusive com reflexos adversos para o Pacto Federativo.

Para tanto, trazendo uma inovação quanto às prorrogações ocorridas em 2015, sugeriu que a prorrogação estaria vinculada à comprovação prévia do cumprimento, pelos atuais concessionários, dos já conhecidos indicadores de continuidade e de sustentabilidade econômico-financeira o que, do ponto de vista do interesse público, entende-se totalmente pertinente, visto que não faria sentido prorrogar concessões cujo atual gestor não logrou êxito em atender tais requisitos mesmo após quase 30 anos de vigência da concessão.

Neste ponto, ainda que a Nota Técnica faça referência às disposições da Resolução Normativa ANEEL nº 948/2021, acredita-se ser necessário que o resultado da Consulta Pública traga um maior detalhamento sobre o tema, estabelecendo de forma objetiva, por exemplo, o período de análise do cumprimento dos referidos indicadores ou mesmo se o indicador de sustentabilidade econômico-financeira poderá ser considerado cumprido mediante aporte de capital dos atuais acionistas.

Sobre o tema, dadas as citadas dificuldades de substituição de concessionários de distribuição, o Poder Concedente também propõe opções que já podem ser consideradas clássicas no setor elétrico e que permitiram a continuidade da prestação do serviço pelas distribuidoras do Grupo Rede Energia, da Eletrobras e mais recentemente nos casos da CEA, CEEE-D e CELG-D,  com a possibilidade de apresentação de um plano de correção das falhas e transgressões ou a transferência de controle acionário como alternativa em caso de não atendimento dos critérios mínimos exigidos para a prorrogação.

Tal medida poderá acelerar a transferência do controle acionário de distribuidoras com baixo desempenho operacional e financeiro.

Outro ponto de destaque que deverá ser objeto de amplo debate no âmbito da Consulta Pública é o chamado excedente econômico a ser avaliado pelo Poder Concedente para eventual captura para modicidade tarifária ou para a realização de investimentos em contrapartidas sociais.

Com efeito, a questão da avaliação e destinação do chamado excedente econômico demanda uma definição muito bem fundamentada, por ser extremamente sensível tanto sob a ótica do equilíbrio econômico-financeiro das concessões como do retorno esperado dos acionistas, o que pode impactar de forma significativa o interesse na prorrogação e os investimentos a serem realizados nos próximos anos.

Nesse contexto, a coexistência de tal metodologia frente às regras vigentes pelo menos até 2045 para as demais concessões de distribuição é um dos grandes desafios a serem enfrentados, em especial, por ser um setor em que regulação econômica, custos operacionais e indicadores, por exemplo, também são baseados no benchmark entre as diferentes distribuidoras.       

Outro aspecto não menos importante e que ainda carece de maior detalhamento se refere aos investimentos em contrapartidas sociais. Além da necessidade de concatenação com os contratos de concessão vigentes, também se entende válido aprofundar a discussão sobre a destinação destes recursos, em especial à luz do princípio da isonomia, para avaliar se é ou não adequado que todos os recursos/benefícios da prorrogação fiquem restritos aos consumidores das respectivas áreas de concessão ou se serão permitidos subsídios cruzados.    

Por fim, a Nota Técnica trouxe algumas considerações acerca da adequação dos novos contratos de concessão à nova dinâmica esperada para o setor elétrico, com o crescimento da geração distribuída e a abertura do mercado livre, redes inteligentes e novos serviços a serem prestados pelas distribuidoras de energia elétrica.

Em linhas gerais, as diretrizes e ideias iniciais da proposta parecem positivas, ainda que dependam de maior aprofundamento como nos exemplos acima citados.

De toda forma, observa-se uma evolução significativa em relação à prorrogação das concessões de distribuição ocorrida na última década, a começar pela possibilidade de discussão das regras no âmbito da Consulta Pública, preocupação com a qualidade do serviço, sustentabilidade das concessões e seu equilíbrio econômico-financeiro bem como, ainda que de forma singela, a tentativa de adequação frente à nova realidade do setor elétrico.

Resta aguardar o avanço das discussões, que deve contar com intensa participação de agentes, associações e demais stakeholders para garantir o equilíbrio das medidas a serem adotadas e a segurança jurídica necessária à continuidade da prestação do serviço público e da realização dos investimentos necessários.

Mariana Saragoça é advogada e sócia do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação; Frederico Accon Soares é advogado sênior e sócio do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação com ênfase no setor elétrico.

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