Opinião

Setor elétrico: o que vivemos em 2021 e o que esperar em 2022

Todas as situações vivenciadas nesta última década escancararam a necessidade do avanço na modernização do setor elétrico, na ampliação da segurança jurídica e na busca pela eficiência

Por Mariana Saragoça

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O ano de 2021 teve um início extremamente movimentado para o setor elétrico brasileiro, muito em razão, ainda, dos efeitos da pandemia do Covid-19 e de todas as medidas para seu enfrentamento iniciadas em 2020 e cujos impactos devem se estender por mais alguns anos.

Toda esta situação afetou diretamente os agentes do setor, seja em questões mais amplas como a redução de consumo de energia elétrica decorrente da retração da atividade econômica, impactando o equilíbrio econômico-financeiro de contratos ou mesmo nos obstáculos para o desenvolvimento das atividades de construção, operação e manutenção de instalações de energia ou em aspectos de gestão das próprias empresas como o encarecimento da captação de recursos, a atenção à saúde e segurança dos colaboradores e o trabalho remoto.

Não fosse suficiente, o país se viu diante de uma das piores crises hídricas de sua história, que reacendeu o alerta sobre possíveis “apagões” e eventual necessidade de racionamento de energia e demandou medidas de urgência como o acionamento da totalidade das usinas termelétricas disponíveis com custos elevados e o aumento da importação de energia.

Todo este cenário produziu uma significativa elevação tarifária, agravada pela desvalorização do real frente ao dólar com impactos na tarifa de Itaipu Binacional e pelos próprios índices inflacionários em patamares que há muito não se via.

Diante deste cenário, os órgãos e instituições do setor foram obrigados a adotar uma série de medidas com destaque para (i) a vedação à suspensão do fornecimento de energia em razão de inadimplência (vide Resolução Normativa Aneel 928/2021); (ii) a operacionalização da chamada Conta-Covid (vide Medida Provisória nº 950/2020); (iii) a criação da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética – CREG (vide Medida Provisória nº 1.055/2021); (iv) a instituição de programas voluntários de redução do consumo de energia elétrica (vide Portaria Normativa nº 22/GM/MME, Decreto nº 10.779/2021 e Resolução CREG nº 2/2021); e, mais recentemente, (v) a aprovação da captação de um novo empréstimo para a manutenção do equilíbrio do setor (vide Medida Provisória nº 1.078/2021).

Mesmo diante deste contexto de crise, o setor elétrico se manteve extremamente aquecido, com um número significativo de operações de fusões e aquisições, incluindo relevantes processos de desestatização de empresas estatais atuantes nos segmentos de geração, distribuição e transmissão bem como com a realização de dois leilões de transmissão e de leilões de compra e venda de energia elétrica.

Além dos leilões já praticados pelo setor, o ano de 2021 termina com a realização do primeiros procedimento competitivo simplificado (PCS) para a contratação de energia de reserva e com o primeiro leilão de reserva de capacidade, já antecipando as discussões sobre a separação de lastro e energia que há alguns anos estão na pauta do setor.

Quanto aos aspectos legais e regulatórios, o ano de 2021 também teve relevantes alterações e inovações legislativas/normativas com destaque para (i) a previsão do fim dos subsídios nas Tarifas de Uso dos Sistemas de Transmissão e Distribuição para pequenas centrais hidrelétricas e empreendimentos com base em fontes solar, eólica, biomassa e cogeração qualificada (vide Lei nº 14.120/2021); (ii) a alteração do prazo final de autorizações de geração de energia elétrica, com o início do prazo vinculado à entrada em operação comercial (também previsto na Lei nº 14.120/2021); (iii) a aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei nº 5.829/2019, que institui o marco legal da microgeração e minigeração distribuída (e que deve ser sancionado até o dia 06.01.2022); (iv) a regulamentação da implantação de usinas de geração híbridas (vide Resolução Normativa ANEEL nº 954/2021); e, neste final de 2021 (v) a aprovação da Resolução Normativa Aneel nº 1.000/2021, que substitui a Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010 e regulamenta os direitos e deveres dos usuários dos serviços de energia elétrica.

Além de todas estas questões, o ano de 2021 também ficará marcado pelo encaminhamento de dois relevantes temas que permearam as discussões do setor elétrico nos últimos anos.

O primeiro deles trata da conclusão do julgamento da chamada “tese do século”, por meio do qual o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 574.706, definiu que o “(…) ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS” e garantiu a restituição de valores bilionários às concessionárias de distribuição de energia elétrica, valores esses que poderão ser devolvidos aos consumidores, a depender da regulamentação da matéria pela ANEEL no início de 2022.

O segundo tema, de igual relevância e que também envolvia cifras bilionárias, trata de questões envolvendo o chamado Generation Scaling FactorGSF, que impactou de forma significativa o setor elétrico nos últimos anos.

Para tanto, após a publicação da Lei nº 14.052/2020, a ANEEL editou sua Resolução Normativa nº 895/2020 – posteriormente alterada pela Resolução Normativa nº 945/2021 – que prevê a extensão dos prazos das outorgas das usinas hidrelétricas em troca da renúncia das ações judiciais que discutem o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) e, consequentemente, da quitação dos débitos em aberto junto à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Com a noticiada adesão dos agentes a esta nova repactuação do risco hidrológico, acredita-se que os questionamentos sobre o GSF, que têm impactado as operações do setor nos últimos 6 ou 7 anos, terão uma solução definitiva.

Embora a situação do GSF, ao que tudo indica, não esteja na pauta dos principais debates do setor elétrico em 2022, outras pendências do ano de 2021 ainda devem trazer impactos relevantes para o setor neste novo ano.

Além de todas as questões decorrentes das medidas de enfrentamento à pandemia e da escassez hídrica, que ainda devem pressionar as tarifas de energia e o setor elétrico nos próximos anos, também é importante destacar a publicação da Lei nº 14.182/2021, que autorizou a desestatização da Eletrobras, e que provavelmente fará com que o ano de 2022 fique marcado como o ano de uma das maiores operações (senão a maior) da história do setor elétrico brasileiro.

Ocorre que a referida Lei – que inicialmente tratava tão somente da desestatização da Eletrobras – acabou por trazer uma série de outras obrigações e alterações legislativas que terão um relevante impacto em todo o setor elétrico com destaque para (i) a segregação das atividades da Eletronuclear e de Itaipu Binacional; (ii) a contratação de geração termelétrica a gás natural, na modalidade de leilão de reserva de capacidade em locais pré-definidos e que não possuam ponto de suprimento de gás natural; (iii) a prorrogação dos contratos do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica - PROINFA por 20 anos; e (iv) a contratação, nos Leilões A-5 e A-6, de, no mínimo, 50% da demanda declarada das distribuidoras, de Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs.

2022 também pode ficar marcado como o ano da instituição do novo marco regulatório do setor elétrico brasileiro. Com efeito, há pelo menos cinco anos, os órgãos, instituições e agentes do setor vêm discutindo, junto ao Poder Legislativo, a chamada pauta da modernização do setor elétrico, estando os Projetos de Lei nº 1.917/2015 e nº 414/2021 com tramitação avançada no Congresso Nacional.

Os referidos Projetos de Lei propõem uma profunda revisão nas regras setoriais, fundamentados, especialmente, na ampliação do acesso ao Ambiente de Contratação Livre – ACL e tratando de temas como a já citada separação entre lastro e energia, trazendo alterações nas regras aplicáveis aos autoprodutores de energia e novas medidas para que as concessionárias de distribuição tenham maior gestão de seu portfólio de compra de energia elétrica.

Como se vê, discussões e operações importantes do setor elétrico parecem estar reservadas para este ano de 2022.

Finalmente, este novo ano ainda contará com eleições para Presidente da República e para o legislativo federal e, ainda, a troca de mais da metade da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em razão do término dos mandatos dos atuais diretores e da impossibilidade de recondução determinada pela Lei nº 13.848/2019, a Lei das Agências Reguladoras.

Apesar de todos as dificuldades enfrentadas neste último ano, muito em razão da pandemia, agravada, no setor elétrico, pela crise hídrica, pode-se afirmar que o setor sai fortalecido de 2021, com o avanço na regulamentação de temas relevantes, com significativas operações de fusões e aquisições, êxito em leilões e atração de investimentos.

No entanto, não temos dúvidas de que todas as situações vivenciadas nesta última década escancararam a necessidade do avanço na modernização do setor, na ampliação da segurança jurídica e na busca pela eficiência, o que contribui para os nossos votos de um 2022 promissor, marcado por muito trabalho para garantir o desenvolvimento cada vez mais sólido do setor elétrico. 

Bruno Gandolfo Damico é advogado, sócio do escritório Stocche Forbes que atua na área de infraestrutura; Frederico Accon Soares é advogado sênior, sócio do escritório Stocche Forbes que atua nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação com ênfase no Setor Elétrico; Mariana Saragoça é advogada, sócia do escritório Stocche Forbes que atua nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação

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