Opinião

Rafael Herzberg: Bolsa de demanda elétrica: para um mercado mais eficiente

Por Redação

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Empresas e instituições brasileiras devem contratar uma demanda para acessar a rede pública de eletricidade. É uma capacidade, em kW, que o consumidor tem à sua disposição. Não pode ser confundida com o consumo de energia, em kWh. A conta é, portanto, uma soma das parcelas demanda (30% e 40% da conta) e energia (entre 60% e 70%).

Uma analogia que ilustra a diferença entre demanda e consumo pode ser feita com a locação de um carro. Você pode alugar um de 50 HP ou de 120 HP para fazer uma viagem de 100 km. Talvez os dois carros consumam a mesma quantidade de combustível-energia no percurso, mas, certamente, você terá de pagar um aluguel-demanda bem mais caro pelo carro de maior potência.

O setor elétrico brasileiro mudou bastante nos últimos dez anos. Surgiu o mercado livre; a autoprodução de energia foi regulamentada, tornando-a mais atrativa; energias interruptíveis foram colocadas à disposição dos consumidores; além de formas de financiamentos mais arrojadas para viabilizar programas de uso eficiente de energia. Todas essas novidades estão centradas especialmente na componente da energia, embora tenham também alguma influência na demanda.

A Bolsa de Demanda é um conceito que surgiu a partir de situações reais. Tomemos duas indústrias vizinhas. Uma contratou 1.000 kW de demanda e outra 2.000 kW. A empresa menor resolveu terceirizar parte de sua produção e reduziu o consumo em 50%. A demanda registrada também caiu pela metade (500 kW). A empresa maior aumentou o ritmo das atividades. Sua demanda aumentou em 500 kW.

Neste exemplo, a empresa menor terá enorme dificuldade para reduzir a demanda contratada. A distribuidora alegará que realizou investimentos na sua infra-estrutura para atendê-la e agora precisa amortizá-los. Para a maior, a distribuidora informará que procederá aos estudos para verificar se a rede comporta o aumento solicitado ou se haveria necessidade de cobrar para investir em reforços.

A postura da distribuidora estaria rigorosamente dentro da regulação, e os clientes estariam de mãos atadas. Mas se as duas empresas pudessem transacionar as diferenças de demanda entre si, o problema estaria resolvido da forma mais econômica e rápida possível. A distribuidora atenderia seus clientes e as empresas teriam suas necessidades atendidas prontamente, mantendo seus custos em seus valores mínimos. A empresa menor evitaria o pagamento da demanda ociosa após a terceirização, e a maior não pagaria multas por ultrapassar a demanda devido ao aumento da produção.

A Bolsa é uma plataforma de transações em que clientes de uma mesma distribuidora trocam posições de demanda. Assim, a demanda total da distribuidora permanece constante e seu faturamento mantém-se inalterado. Há um resultado adicional para a concessionária: a demanda ociosa de um cliente, ao ser transacionada para outro, passa a gerar consumo de energia. A distribuidora terá aumento do seu fator de carga.

Esse conceito já existe. A novidade é a sua aplicação para demanda. Um consumidor livre que tenha absorvido da rede pública volume maior ou menor que o contratado pode transacionar a diferença no mercado à vista, através da CCEE. Se isto vale para a energia poderia valer, em tese, para a demanda também! As distribuidoras teriam a ganhar.

Além de estabelecerem uma ligação especial, oferecendo realmente valor adicional para seus serviços, seria justo que recebessem uma compensação por cada transação. Pelos olhos do clientes, a Bolsa traria a mudança de um custo fixo para um custo 'menos fixo'. A demanda não ficaria tão engessada. Além disso, a Bolsa pode e deve ser concebida com tratamento isonômico a todos os interessados nas transações de demanda.

Atualmente, mudança de demanda é algo moroso. Requer semanas ou mesmo meses, dependendo das condições, e acaba onerando o custo do cliente. A Bolsa pode ser uma ferramenta de redução de custos para os consumidores e uma alavanca de receita adicional para as distribuidoras - receitas extras originadas com as transações. Voltando ao exemplo acima, a empresa menor que reduziu sua demanda em 500 kW deixaria de pagar mensalmente R$ 20 mil com a redução.

Seguramente, estaria propensa a pagar uma comissão para a distribuidora a realizar esse tipo de transação. A demanda total da distribuidora permanece constante. Assim, prorrogam-se investimentos em ampliação de sua capacidade, pois, da forma tradicional, a concessionária teria de disponibilizar 500 kW adicionais, já que demanda é uma garantia que deve ter lastro físico de instalações.

A competitividade está cada vez mais presente no Brasil. Mudanças são exigidas o tempo todo das empresas para que se adaptem às novas condições. Isso inclui verticalização ou terceirização de atividades produtivas, modernização dos processos de produção, mudança no mix de produtos etc.

A Bolsa de Demanda é uma ferramenta que acompanha as necessidades do mercado dentro de um ambiente em que todos passam a ganhar. Os clientes, por manter seus custos mais enxutos. As distribuidoras, recebendo remuneração por transações em curto e longo prazos, por permitir que seus clientes operem com mais eficiência, aumentando o volume de negócios com a distribuidora. Esta situação, na qual todos são beneficiados, é o que nos mercados desenvolvidos se chama de business development. Rafael Herzberg é diretor de Interact Consultoria em Energia

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