Opinião

Mario Menel, da Abiape: O GSF e suas companhias

O que se conclui dessa jornada é que o dispositivo que fornece o comando legal para a solução do GSF nunca foi objeto de debate ou de discordância entre os parlamentares

Por Redação

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O famoso relatório do Clube de Roma - Os Limites do Crescimento -, de 1972, enfatiza, até como um alerta que justifica o seu título, que a solução de um problema tem grande possibilidade de sucesso e baixo custo quando é percebido em seu início. Ao contrário, se aqueles com o poder de resolvê-lo não o percebem, ou não avaliam seu potencial impacto no início e deixam o problema evoluir, sua solução terá baixa probabilidade de sucesso a um alto custo. Com o risco hidrológico no sistema elétrico interligado, ocorreu o mesmo fenômeno.

Já no início de 2013, nossa equipe técnica alertava as autoridades constituídas para o problema da inclusão no cálculo do fator de ajuste (GSF) do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) de parâmetros alheios ao risco hidrológico, tal como o despacho de térmicas fora da ordem de mérito (GFOM). Naquele ano, durante encontros técnicos do setor, apresentamos o problema e a gravidade da situação. É evidente que essas plenárias não tinham o poder de decisão e, sim, o de tentar influenciar uma solução capaz de atender aos interesses do setor. Naquele momento, o tamanho financeiro do problema era de cerca de R$ 600 milhões, valor significativo, mas administrável pelos geradores hídricos.

Em 2014, houve nova recomendação e, mais uma vez, não foi acatada pelos órgãos de governo. Ao perceber que o impacto financeiro seria agravado pela situação de uma hidrologia desfavorável, no fim de 2014, contratamos um escritório de advocacia para judicializar a questão. E, em 2015, obtivemos liminar na qual o juiz determinava que a Aneel deveria, no prazo de dois meses, regulamentar o deslocamento hidrelétrico causado por GFOM. Vale lembrar que, no período de maio de 2015 a abril de 2016, foram concedidas 145 liminares quando a percepção de prejuízo realizado pelos geradores hidrelétricos já atingia R$ 34 bilhões, incluindo os ambientes de contratação livre e regulado (ACR e ACL).

A magnitude do problema e a potencialidade de seu impacto - cerca de R$ 108 bilhões projetados para janeiro de 2018 - alertou o governo quanto à necessidade de solução imediata. Liderada pelo Ministério de Minas e Energia, uma ampla consulta aos agentes foi feita, inclusive no âmbito de audiência pública promovida pela Aneel, que resultou na edição da Lei 13.203/2015. Essa solução não foi a desejada pelos agentes do mercado e só obteve sucesso entre os geradores com contratos no ACR.

O efeito da repactuação do risco no ambiente de contratação regulado, com algum reflexo no ambiente livre - já que várias UHEs que repactuaram atendiam aos dois ambientes -, se fez sentir no início de 2016, quando os valores contestados foram reduzidos a aproximadamente R$ 5,8 bilhões; mas ainda era necessária uma solução para os geradores com contratos no ACL.

Em nova rodada de consultas, chegou-se à conclusão de que o melhor caminho para compensar os geradores hídricos pelo valor a mais cobrado pela exposição aos preços do mercado de curto prazo se daria por intermédio da extensão dos prazos de concessão. Para que isso acontecesse, no entanto, seria necessário um comando legal. E isso foi feito, mas não vêm tendo muito sucesso.

O problema é que, junto com o texto do GSF, outras emendas vêm sendo incluídas. Começava naquele momento a saga das companhias, que acabaram por prejudicar a aprovação de uma solução para o GSF. Foi assim com a Medida Provisória 814/2017, que acolheu medida que estabelecia condições para a privatização das distribuidoras da Eletrobras. Também com o PL 10.332/2018, rejeitado no Senado por conta de emendas como privatização, Dutogás, contratos do Programa Prioritário de Termelétricas e repasses de recursos da CCEE para as distribuidoras de sistemas isolados.

Agora, a questão está a um passo de ser resolvida. A emenda que contempla o GSF foi incluída no PLS 209/2015, aprovado em Plenário e encaminhado à Câmara dos Deputados onde aguarda para ser votado.

O suspense continua, mas o que se conclui dessa jornada é que o dispositivo que fornece o comando legal para a solução do GSF nunca foi objeto de debate ou de discordância entre os parlamentares. O mesmo não se pode dizer das suas polêmicas “companhias” dentro dos projetos de lei.

Mário Luiz Menel da Cunha é presidente da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape) e da empresa de consultoria Energética-Tech. Graduado em Engenharia Elétrica com pós-graduação em Sistemas Elétricos de Potência na UFSC, iniciou sua carreira profissional na Celesc onde exerceu cargo de diretor por duas vezes. Foi membro do Conselho da Eletrosul e ocupou cargos relevantes no governo de Santa Catarina, no Ministério de Minas e Energia e na Presidência da República. Foi fundador e dirigiu diversas associações do setor elétrico. É membro conselheiro da Fiesp e da Academia Nacional de Engenharia (ANE) e presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase).

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