Opinião

Maria D'Assunção Costa: A judicialização e o emaranhado regulatório

Atribuir-se ao clima a responsabilidade do risco hidrológico é admitir que nossas instituições meteorológicas desconhecem o território brasileiro, o que não é verdade

Por Fabio Couto

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Embora a Consulta Pública MME nº 33/2017 tivesse um Item especifico para a “judicialização” do GSF, as incertezas permanecem. Nesse documento se reconheceu que o atual marco legal e regulatório leva à “indução a um comportamento ineficiente” e faz com que “o risco sistêmico aumente”. Ou seja, contabilizam-se perdas que serão compartilhadas certamente com os usuários por meio das tarifas.

Convém ressaltar que os contratos de compra e venda de energia são contratos atípicos porque, embora sejam firmados entre duas empresas, seus efeitos irradiam-se por múltiplas partes. Daí, origina-se o emaranhado regulatório que permite aos agentes discutir no Poder Judiciário direitos que julgam seus, mas que fazem parte de incontáveis relações jurídicas.

Por mais que desde 2002 os agentes tenham argumentado sobre a necessidade de um planejamento de longo prazo para o setor de energia elétrica, este cenário de mais de uma centena de ações judiciais com liminares evidencia que nesse quesito o planejamento realizado não atendeu às expectativas.

Os ciclos das chuvas são conhecidos dos estudiosos brasileiros há mais de um século e, portanto, atribuir-se ao clima a responsabilidade desse risco é admitir que as nossas instituições meteorológicas desconhecem o território brasileiro, o que não é verdade.

Pela intrincada engenharia do setor elétrico brasileiro, com contratos e obrigações bilaterais e efeitos multilaterais, mais as obrigações regulatórias, qualquer alteração legislativa nesse setor exige “prudência” no seu alcance, o que faltou, sabidamente nos últimos anos. A fúria com que se editaram medidas provisórias sem atentar para os efeitos em contratos válidos e eficazes, privilegiando a escolha política em detrimento da decisão técnica, levou-nos ao cenário que nos encontramos de absoluta beligerância judicial.

Há, a nosso sentir, a necessidade de realizar uma grande mediação, composta de várias mediações setoriais para se chegar ao um denominador comum, que é trazer segurança e previsibilidade aos investidores, concessionários, usuários e agentes econômicos. Além disso, desenvolver uma cultura – deemitir normas de autorregulação – que imponha mais diálogo e menos beligerância. Isso porque já é sabido que o Poder Judiciário é o pior dos reguladores.

A autogestão dos conflitos por intermédio de um código deautorregulaçãoainda nos parece um caminho menos oneroso e mais seguro porque os compromissos nascem do consenso edificado durante o período de elaboração e discussão da norma de autorregulação. Na situação atual, os ganhadores podem vir a ser perdedores nessa arena autofágica.

Como se depreende da atual situação e dos sete motivos detalhados na Consulta Pública nº 33/2017para a “desjudicialização”,a situação é complexa e exige planejamento estratégico hábil para a sua solução em etapas. Opinamos no sentido de que uma canetada governamental só ampliará, no médio e longo prazo a guerrilha judicial por obtenção de liminares.

Com isso, conclui-se que há necessidade de um grande compromisso público dos governantes de que se abandonará o jeito tosco de fazer política com o setor de energia elétrica, absolutamente dependente de previsibilidade e planejamento de longo prazo, independentemente de quem estiver no comando do Poder Executivo e do Ministério de Minas e Energia.

Maria D´Assunção Costa é advogada, Doutora em Energia pelo IEE/USP e sócia de Assunção Consultoria

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