Opinião

Garantia do fornecimento de energia exige expansão de parque gerador

Não há dúvidas de que à medida que a economia for sendo retomada, principalmente no cenário de longo prazo, a entrada de novos projetos de geração torna-se de grande relevância para a manutenção da segurança de abastecimento do sistema elétrico brasileiro

Por Ana Carolina Chaves

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Ao que tudo indica, em 2021, o Brasil registrará uma das menores taxas de expansão da capacidade instalada de energia elétrica da última década. Diante da significativa redução da demanda de energia em virtude da pandemia do Covid-19, não foram realizados leilões de energia em 2020. Assim, a expansão da capacidade foi de 4,9 GW, o que representou uma redução de 32,8% em relação ao aumento que ocorreu em 2019. Já para o ano de 2021, está prevista a entrada de operação de 4,7 GW de energia, 4,7% inferior ao ano passado.

No entanto, o ano de 2021 já anuncia o aumento de carga do sistema. De acordo com o Operador Nacional do Sistema (ONS), a previsão é de que a carga de janeiro seja 3,1% superior à assinalada em janeiro de 2020. As altas temperaturas registradas em janeiro, típicas da estação de verão no país, somadas à possibilidade de retomada das atividades econômicas, vêm contribuindo para o aumento da demanda de energia elétrica. 

Não há dúvidas de que à medida que a economia for sendo retomada, principalmente no cenário de longo prazo, a entrada de novos projetos de geração torna-se de grande relevância para a manutenção da segurança de abastecimento do sistema elétrico brasileiro. O Plano Decenal de Expansão da Energia (PDE 2030), elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e sob consulta pública, aposta em uma recuperação gradual da economia brasileira, marcada no curto prazo pelo excesso de capacidade ociosa e, no longo prazo, pela intensificação dos investimentos.

Diversificação

Segundo os dados divulgados pela EPE, até 2030, espera-se uma mudança significativa na matriz energética, centrada na diversificação das fontes de energia, com destaque para o aumento da participação das energias renováveis e usinas térmicas e a redução das usinas hidrelétricas. Como já vem sendo sinalizado nos últimos planos de expansão, a matriz elétrica brasileira aponta para a crescente necessidade de expansão da flexibilidade e aumento da potência do sistema. 

Em nosso sistema, caracterizado pela geração hidrelétrica na base, o risco de não suprimento de energia é administrado por meio da operação das usinas termoelétricas, que são despachadas a depender das necessidades elétricas e do nível dos reservatórios do sistema. Dentre outras alternativas, os picos de carga do sistema podem ser atendidos por usinas termelétricas a gás natural de ciclo aberto.

Em 2020, a capacidade instalada existente e contratada do Sistema Interligado Nacional (SIN) contava com 14% por usinas térmicas (UTE), enquanto em 2030, espera-se uma participação de 18% de UTE na capacidade instalada. No período analisado, o plano, prevê a entrada de operação das usinas termelétricas Marlim Azul, GNA I, GNA II e Barcarena, além de volumes indicativos sem projetos específicos e do retrofit de usinas em término de contrato.

É fato que, paralelamente, o país vem registrando, desde 2012, a ocorrência de períodos de estiagem que contribuem para o baixo nível dos reservatórios e necessidade de acionamento das UTE. No último quadrimestre de 2020, por exemplo, a severidade hídrica atingiu o pior índice da média de longo termo do histórico de 90 anos. 

Destaca-se, porém, que a expansão do sistema termoelétrico brasileiro ocorreu em função de um amplo programa de investimentos da Petrobras, principalmente a partir dos anos 2000. No entanto, a estratégia da empresa tem sido vender seus ativos no segmento para outra empresa. E, com a saída da estatal desse segmento, ainda não está clara se uma possível expansão da capacidade de geração a base de térmicas, no longo prazo, terá um número elevado de atores dispostos a cumprir a função da Petrobras.

E percebe-se que, nos próximos anos, as UTEs passarão a desempenhar um papel fundamental na matriz elétrica brasileira, e o gás natural constituirá o principal combustível fóssil da expansão. As reservas do pré-sal e as novas descobertas do pós-sal ampliaram a oferta deste combustível e, dependendo do preço final do gás natural, estes recursos poderão auxiliar com a expansão da matriz elétrica. 

No entanto, atualmente, a maior parte do gás natural para geração das termelétricas é proveniente de gás natural liquefeito (GNL), cujos preços são regionalizados. Considerando o cenário de expansão do gás natural, o modelo tecnológico gas-to-wire (GTW), onde o gás natural utilizado para a geração nas usinas termelétricas é obtido diretamente dos campos produtores, tem potencial de consolidar uma posição preferencial entre os novos produtores, principalmente em função das mudanças na precificação do transporte do produto e redução da participação da Petrobras nos principais segmentos da cadeia de gás natural. 

Além disso, a EPE espera que as mudanças regulatórias, advindas da implementação do Programa “Novo Mercado de Gás Natural”, contribuam com a formulação de novos desenhos de negócios direcionados para o suprimento flexível de combustíveis às térmicas. Todavia, há ainda muitas dúvidas, sobre a condução de grandes blocos de investimentos para expansão do segmento com a saída da Petrobras.

O conjunto de medidas que compõem o “Novo Mercado de Gás Natural” tem como principal objetivo ampliar a competitividade através do aumento da concorrência no setor de transporte de gás e na facilitação para a construção de gasodutos, mas não há um olhar específico sobre os investimentos. Espera-se, apenas, que eles serão uma mera consequência das mudanças promovidas pelo “Novo Mercado de Gás Natural”. Ademais, ressalta-se a possibilidade de criação de novos monopólios locais e o risco de algumas regiões ficarem sem cobertura de acesso a estes recursos. 

Ou seja, estas medidas não garantem a expansão dos gasodutos no território, além de envolver a resolução de complexos desafios, principalmente, do ponto de vista regulatório, como a diversidade das regulações a nível estadual do setor de distribuição de gás canalizado. Frente às incertezas de sua eficácia, as estratégias do Novo Mercado do Gás Natural têm suscitado grande divergência de opiniões entre os especialistas do setor. 

Neste ponto, destaca-se que o processo de desinvestimento da Petrobras corroborou com este cenário, haja vista que ainda não há clareza sobre como se estabelecerá na prática a dinâmica e regulação deste novo ambiente. Em 2020, a empresa anunciou a venda das UTEs Polo Camaçari e UTE de Canoas, com operação a óleo combustível e biocombustível (óleo diesel ou gás natural). 

Em paralelo, o setor elétrico também passa por um momento de discussão do arcabouço regulatório, à medida que se assiste ao crescente avanço do mercado livre e financeirização do setor. Além do Projeto de Lei nº232/2016, que trata sobre a modernização do setor, destaca-se o plano de privatização da Eletrobrás em curso.

Ana Carolina Chaves é pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel)

 

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