Opinião

Fontes alternativas e a modicidade tarifária

Por Redação

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O Ministério de Minas e Energia (MME) adiou o que pode ser o leilão mais decisivo desde a edição da Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004: o de fontes alternativas, marcado inicialmente para 24 de maio e postergado para 18 de junho. A dificuldade de viabilizar grandes projetos, as incertezas quanto à disponibilidade de gás natural, seja da Bolívia ou via plataformas de GNL, e a perspectiva de crescimento da economia a taxas superiores à média dos últimos anos colocaram o setor em alerta quanto à crescente possibilidade de falta de energia em 2010.

Nesse contexto, o leilão de fontes alternativas, cujos projetos têm menos dificuldades de obter licenças ambientais e tempo de construção suficiente para evitar um racionamento, apresenta-se como uma grande esperança do setor para evitar problemas de abastecimento no curto prazo. Entretanto, dos 146 projetos cadastrados, em março, para o leilão, apenas 70 foram habilitados em maio. Reduziu-se a potência em 58%, de 4.727 MW para apenas 1.968 MW. Dois motivos podem ser apontados para essa diferença de 2.759 MW: licenciamento ambiental e preço.

No primeiro caso, com a finalidade de contornar o problema da falta das licenças prévias, acertadamente o governo postergou o leilão, para que os investidores tenham pouco menos de um mês para conseguir suas licenças ambientais - até 11 de junho -, e assim se habilitem para o certame. O segundo motivo é o preço-teto estabelecido, principalmente para as PCHs. Em 26 de abril - isto é, entre o cadastro e a habilitação -, foi divulgado o preço-teto para PCHs de R$ 135/MWh, inferior à expectativa do mercado e ao próprio preço-teto estabelecido para biomassa, de R$ 140/MWh.

É inevitável lembrarmos do Proinfa ao tratar de fontes alternativas, e quando recorremos aos preços adotados pelo programa, de R$ 117,02/MWh para PCHs e de R$ 93,77/MWh para biomassa, a valores de março de 2004, levanta-se um natural questionamento. Por que em 2004 a avaliação do governo indicava um valor econômico da PCH 25% superior ao da biomassa, e agora indica uma tarifa 4% inferior? Erro no passado ou no presente? Mais do isso, ao fixar o preço-teto da PCH a um valor abaixo da expectativa do mercado - que pedia R$ 145/MWh, mas que em parte estava disposto a participar a R$ 140/MWh -, o governo vai contra um dos pilares de seu próprio modelo: a modicidade tarifária.

A medida encarece o custo para o consumidor cativo, ao deslocar economicamente as PCHs para o ambiente de contratação livre (ACL). A lógica é simples. Um consumidor incentivado qualquer, ainda na condição de cativo da CPFL, enquadrado na tarifa horossazonal azul, com 60% de fator de capacidade, apresentaria a seguinte composição de custos:  Tarifa de energia: R$ 143/MWh  Tarifa fio: R$ 86/MWh  Encargos: R$ 26/MWh  Tarifa cativo: R$ 255/MWh

Entretanto, o consumidor incentivado, ao adquirir energia de uma PCH, faz jus a um desconto de 50% da tarifa fio. No exemplo acima, pagaria apenas R$ 43/MWh por esse componente. Desta forma, poder-se-ia pagar até o limite de R$ 186/MWh pela energia de uma PCH. Esse preço, porém, é livremente negociado, e o mercado ainda não trabalha com esse patamar, mas já opera com preços entre R$ 145 e R$ 150/MWh. E a cada PCH que fecha um contrato no mercado livre, esse desconto da tarifa fio, que é concedido ao consumidor, não some da contabilidade do setor: é transferido ao consumidor cativo.

Isto é, a cada PCH que o governo desloca do leilão para o mercado livre, está contrariando a modicidade tarifária, jogando, no exemplo hipotético anterior, R$ 43/MWh a mais para a conta do consumidor cativo. Conseqüentemente, ao contratar no leilão uma UHE a R$ 125/MWh e deslocar uma PCH para o ACL, o custo marginal da energia para o consumidor é de R$ 125 + R$ 43 = R$ 168/MWh!

No entanto, mesmo ciente desse cenário, e tendo conhecimento da dificuldade de atender o mercado consumidor em 2010, o governo preferiu fixar o preço-teto da PCH em R$ 135/MWh, encarecendo a conta do consumidor final e expondo o setor ao risco do déficit. Risco este porque os investidores em PCHs têm maiores dificuldades de obter financiamento quando comercializam sua energia no mercado livre, não conseguindo viabilizar seus projetos. E o governo, em vez de trabalhar pela modicidade tarifária e segurança no suprimento, faz ameaças de revogar as concessões de quem não vender a R$ 135/MWh.

Não se pode negar que há muitos especuladores, e que o estabelecimento de um critério para a revogação de alguns projetos se faz necessário. Mas se mantiver o preço-teto nesse patamar, o governo só vai ficar revogando PCH após PCH, sem viabilizar nenhuma. Concluindo, se o governo fixasse um preço-teto de R$ 145/MWh, além de viabilizar inúmeros projetos de PCHs, ainda estaria beneficiando o consumidor cativo em R$ 23/MWh, pelo exemplo citado: R$ 168 - R$ 145 = R$ 23/MWh.

Erik Eduardo Rego é gerente de Desenvolvimento de Projetos da Excelência Energética Consultoria Empresarial

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