Opinião

Fernanda Delgado e Carlos Arentz, da FGV: Desafios da abertura do mercado de gás natural do Brasil

Existem alguns outros desafios que não têm sido tão explorados ou discutidos, e podem ser obstáculos sérios à implantação do novo modelo

Por Fernanda Delgado e Carlos Arentz

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O mercado de gás natural no Brasil ganhou foco na mídia após manifestações específicas do Ministro da Economia, Paulo Guedes. Pode-se presumir que o anunciado ”Novo Mercado de Gás” seja continuidade do projeto “Gás para Crescer”, lançado pelo Ministério de Minas e Energia em 2016. Desconsiderando os resultados econômicos que se possam esperar com o ”Novo Mercado de Gás”, os desafios a serem enfrentados continuam basicamente os mesmos: separação de atividades monopolísticas das competitivas; acesso a terceiros e coordenação independente da rede de gasodutos; padronização de contratos; transparência de preços entre outros. Já existe um roteiro para se chegar no mercado de gás natural com mais liquidez, diversificado e competitivo, que se espelha na sequência de atos da abertura do mercado de gás europeu. Tem sido proposto que este seria o exemplo a ser seguido.

Pode se afirmar que a primeira etapa já está em curso, com a chamada pública para contratação da capacidade da TBG, após o término de um dos contratos em 2019. Este processo adota, ainda que parcialmente, tarifas de entrada e saída, prática de mercados mais líquidos e competitivos. Para a ANP, a implantação progressiva desta forma de contratação conduzirá à formação natural de polos concentradores de mercado ou hubs com preços conhecidos, contribuindo para a transparência de preços.

Todos estes aspectos estavam na lista de desejos do “Gás para Crescer”, que de alguma forma o Projeto de Lei 06102/2016 procura contemplar. Contudo, este projeto se encontra na fila de alterações legais em discussão no Congresso que, apesar de relevante, perde prioridade para outras pautas mais urgentes.

Para se alcançar este novo mercado, a receita do caso europeu afirma que é necessário compromisso do governo e dos agentes. Independentemente de mudanças legais, pode-se afirmar que há intenção e ação dos envolvidos. Apesar dos itens a contemplar e das diferenças entre o caso brasileiro e o exemplo europeu, existem alguns outros desafios que não têm sido tão explorados ou discutidos, e podem ser obstáculos sérios à implantação do novo modelo.

Haverá a efetiva necessidade de um operador do sistema de gás, que, se não garanta a entrega física da molécula, seja o fiscal dos compromissos contratuais dos agentes. Outro ponto de discussão tem sido a aparente incompatibilidade entre regulação federal e estadual no que tange à comercialização e distribuição. O governo federal tem estimulado os estados a alterarem suas constituições quanto a este tema. Aqui, talvez, caiba uma mera mudança de conduta, passando as distribuidoras locais a compreenderem seu papel duplo, de prestadoras de serviço de distribuição e também comercializadoras de gás, assumindo esta diversificação. Nesta visão, abre-se todo um novo ramo de possibilidades, nos quais a própria existência de consumidores livres pode propiciar outras formas de atuação.

Por último, destaca-se um dos fatores preconizados no modelo europeu, que prescreve que um mercado bem suprido acelera o processo. Aqui, ressurge a questão da oferta de gás natural. Dados do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2027 indicam que a oferta potencial não aumenta de modo significativo, porque, apesar do aumento da produção nacional, há redução da importação de gás boliviano e o país prossegue dependente de importação de GNL. Isto não coaduna com um mercado com ampla oferta e forte competição. Para se obter este fator, parece crítico introduzir alguma medida de incentivo aos agentes produtores atuando no pré-sal, para disponibilizar volumes significativos deste gás em terra, ação que, per se, permitirá que diversos dos desafios abordados, possam ser suplantados.

Fernanda Delgado é professora e coordenadora de pesquisa na FGV Energia no setor de petróleo, gás e biocombustíveis.

Carlos Augusto Arentz Pereira é professor adjunto da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e trabalhou na Petrobras entre 1984 e 2016.

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