Opinião

A expansão da fronteira elétrica no Brasil

Por Redação

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Nivalde J. de Castro e Paulo César Fernandes O setor elétrico do Brasil (SEB) apresenta duas singulares características: ter como fonte primária de geração a utilização de recursos hidrológicos, baseados em 608 usinas, e um sistema interligado com mais de 177 mil km de linhas de transmissão, com dimensões continentais. A capacidade geradora instalada é de 90 GW, incluindo 69 GW de geração hídrica e 20 GW térmicos. Em 2005, produziu cerca de 400 TWh, sendo 370 TWh de energia hídrica - o que coloca o Brasil no nível de países desenvolvidos como Espanha (295 TWh), Inglaterra (398 TWh) e França (509 TWh).

Dadas dimensão, complexidade e importância do SEB para o desenvolvimento econômico e social do país, o objetivo deste artigo é analisar duas questões primordiais que impactam as decisões de investimento em energia elétrica: a crise energética mundial e a expansão da fronteira elétrica em direção à região Norte. Pretende-se provar que os ganhos econômicos serão positivos, em função da redução das tarifas médias, via diminuição dos custos dos encargos, e do aumento da segurança energética.

Crise mundial de energia 

A crise mundial de energia apresenta um componente estrutural e endêmico. A causa central é o acelerado crescimento econômico mundial dos últimos anos, puxados por EUA, China e Índia. Esse crescimento vem provocando forte incremento sobre os insumos energéticos, com maior visibilidade para o petróleo. A aceleração da demanda energética está configurando e projetando um cenário de permanente desequilíbrio/instabilidade entre oferta e demanda.

Não há, em curto e médio prazos, uma definição clara das fontes que poderão garantir o atendimento satisfatório da crescente demanda. A possível ampliação da oferta através de fontes alternativas de energia, pelos parâmetros atuais, não tem condições de suprir os acréscimos da demanda. O componente endêmico da crise é dado por qualquer evento econômico e/ou político que afeta direta e imediatamente a variável mais sensível e definidora dos preços relativos dos insumos energéticos, que é o preço spot do petróleo no mercado internacional.

Diante da crise internacional, o Brasil passa a considerar o conceito de segurança energética no planejamento do setor elétrico. O objetivo estratégico é buscar, lato sensu, a auto-suficiência energética do país. Nessa perspectiva, mostra-se imprescindível que o país tenha como prioridade basear a expansão do SEB nos recursos hidrológicos existentes, avaliados em 260 GW, 40% dos quais situados na região da Amazônia.

A partir desse lastro potencial de energia limpa e renovável, deve-se planejar a ampliação, marginal e gradativa, de outras fontes de energia na matriz brasileira para garantir a sua segurança energética. Nesse processo, as empresas públicas tendem a desempenhar papel estratégico, em parceria com agentes econômicos privados, para a transformação deste potencial em capacidade produtiva efetiva.

Expansão do SIN

A segunda questão é a ampliação da área de cobertura do Sistema Interligado Nacional (SIN), incorporando e integrando o potencial hidrológico e os principais núcleos urbanos de consumo isolados da região Norte. Este objetivo estratégico possibilitará uma redução relativa das tarifas de energia elétrica em todo o país e ampliará as possibilidades de integração energética com Venezuela, Bolívia, Colômbia e Peru. Dentro de uma perspectiva analítica do SEB, o espaço territorial brasileiro pode ser dividido em duas áreas geoelétricas, de naturezas bem distintas: SIN e sistemas isolados.

De forma simplificada, o SIN corresponde ao espaço de todas as usinas (hidro e termo) interligadas por linhas de transmissão. O SIN permite atender à demanda por energia elétrica das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte do Norte, basicamente no estado do Pará. Essa interligação permite ganhos de sinergia, em função das diferenças de horário, clima e regimes pluviométricos das bacias hidrológicas existentes no espaço continental do Brasil.

O outro espaço do SEB são os chamados sistemas isolados, atendidos sobretudo por energia de fontes termelétricas locais, com grande dispersão geográfica dos consumidores e pequena concentração de demanda por energia elétrica. A principal conseqüência é o alto custo do megawatt. Se as tarifas dos isolados fossem cobradas por seu custo real, o impacto sobre o desenvolvimento econômico seria altamente negativo.

Desta forma, o governo estabeleceu, nos anos 70, mecanismo de subsídio para equalização das tarifas dos sistemas isolados através da Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC). O subsídio é financiado na forma de encargo setorial, cobrado de todos os consumidores atendidos pelo SIN. Os gastos com a CCC vêm aumentando de forma gradativa nos últimos anos por causa de dois movimentos.

O primeiro se relaciona com o forte aumento do consumo de energia elétrica nas capitais da região amazônica. O segundo refere-se ao aumento dos combustíveis, derivados de petróleo usados nas termelétricas que compõem o parque gerador dos sistemas isolados. Como resultado, o custo do CCC para 2006 está estimado em R$ 4,5 bilhões. Cerca de 80% desse valor está vinculado à demanda de Manaus, Boa Vista e Macapá.

Em face da necessidade de ampliação da capacidade geradora instalada do SEB a uma taxa média anual de 5%, segundo o Plano Nacional de Energia da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a expansão será feita através da utilização do potencial hidrológico. Esse potencial se encontra em grande parte na região Norte, nos sistemas isolados, ocorrendo uma expansão da fronteira elétrica.

Atualmente a exploração desses aproveitamentos vem enfrentando sérias dificuldades por causa dos impactos ambientais. No entanto, esses problemas não são estruturais, mas sim de ordem legal e cultural. A sua superação tem como elemento determinante uma metodologia de precificação dos impactos ambientais.

A questão ambiental materializa-se, assim, em problemas que serão analisados e, com o apoio de novas tecnologias e de um marco legal ambiental mais bem-definido, terão suas soluções técnicas e seus custos determinados e precificados. A legislação ambiental em vigor é nova e, conseqüentemente, o país ainda não sistematizou e consolidou o que se pode chamar de cultura ambiental. A legislação precisa de ajustes e não pode, nem irá, impedir o desenvolvimento do país.

Mesmo com o aumento dos custos ambientais nos projetos, as hidrelétricas da região Norte apresentam, no médio e longo prazos, custos por megawatt relativamente menores que os das termelétricas. Os novos custos serão incorporados no preço-teto dos leilões de energia nova. Nesse sentido, os impactos ambientais não são, nem podem se constituir, em uma barreira intransponível à utilização dos recursos hidrológicos, recursos estes cada vez mais valorizados pela crise mundial de energia.

As fontes alternativas não apresentam, no curto e médio prazos, condições econômicas e tecnológicas para atender o volume de acréscimo anual de demanda de energia elétrica, estimado em 4,5 GW de potência instalada. Estas novas fontes - gás natural, biomassa e eólica - tendem a ampliar sua participação na matriz energética, mas o aumento será lento e marginal, segundo as próprias projeções da EPE.

A ampliação da rede básica de linhas de transmissão é derivada do processo de expansão da fronteira elétrica. A integração de áreas dos sistemas isolados ao SIN, através da construção de novas linhas de transmissão e reforço necessário nas existentes, permite ganhos econômicos, inclusive pela redução dos gastos com CCC.

Nesta perspectiva, a construção das linhas de transmissão planejadas entre Tucuruí e Manaus é importante e faz parte da estratégia de expansão da fronteira elétrica, na medida em que fará com que o SIN, que vai do extremo sul do Rio Grande do Sul até Belém do Pará, integre os centros de consumo de energia elétrica de Manaus, avançando até Macapá e Boa Vista, através de ramais deste tronco de transmissão principal Tucuruí-Manaus.

Esta linha significará também um novo desafio para a engenharia nacional, impondo a superação de grandes desafios técnicos, destacando-se a transposição do rio Amazonas e a adequação a rígidos cuidados com o meio ambiente na rota traçada pela floresta amazônica. Outro aspecto importante está associado ao gás natural de Urucu, no Amazonas, que atenderá Manaus.

Essa maior diversidade na matriz energética local ampliará o grau de segurança energética da região e influenciará, ainda que marginalmente, as outras regiões, via redução dos riscos hidrológicos do SIN. No período de baixa hidraulicidade, quando os níveis dos reservatórios das hidrelétricas baixam e a energia estocada fica mais cara, as termelétricas a gás natural de Manaus poderão dar mais confiabilidade ao parque gerador do país.

Dessa forma, a nova linha de transmissão e o gás de Urucu contribuirão para uma tendência em curso de convergir o SIN para uma base hidrotérmica, reduzindo assim o risco hidrológico. Nestes termos, a título de conclusão, a crise mundial de energia é um parâmetro que deve levar o Brasil a priorizar os investimentos na construção de hidrelétricas, buscando aumentar a sua segurança energética através da expansão da fronteira elétrica em direção ao oeste, ampliando a área de atuação do SIN. Com esse movimento estratégico, o Brasil poderá ganhar mais sinergia em seu sistema elétrico, reduzir tarifas e ampliar a oferta através da maior integração energética nacional.

Nivalde de Castro é professor do Instituto de Economia (IE) da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico

Paulo César Fernandes é engenheiro eletricista de Furnas Centrais Elétricas

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