Opinião

Entrando pelo cano: o gás natural e não os consumidores

Chamamos a atenção dos parlamentares aos fantasmas da universalização e da divisão do país em capitanias hereditárias do gás, contrários ao que pretende a nova lei: a criação de um mercado nacional de grandes volumes e preços competitivos

Por Paulo Pedrosa

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Neste momento em que o projeto de Lei do Gás, aprovado no Senado, volta à Câmara dos Deputados, é tempo de refletirmos sobre como os diferentes interesses econômicos e políticos participam de um debate que nem sempre é totalmente transparente. É inegável que a política é o exercício das escolhas e que raramente existe uma única que represente o melhor caminho para todos. É legítimo e democrático que distintos interesses se articulem na discussão em torno de todos os temas, inclusive esses mais técnicos, como energia.

Mas, na disputa pelos interesses, o ambiente democrático (no sentido que favorece a maioria) pressupõe que as soluções sejam transparentes para a sociedade e ao mesmo tempo consistentes e coerentes com elas mesmas. Sem esses atributos, haverá sempre o risco de se escolher vencedores, fazendo opções erradas por caminhos tortos.

Por isso, chamamos a atenção dos parlamentares aos fantasmas da universalização e da divisão do país em capitanias hereditárias do gás, contrários ao que pretende a nova lei: a criação de um mercado nacional de grandes volumes e preços competitivos.

Reencontrar essa lógica é fundamental na nova Lei do Gás. Este projeto foi desenhado com base no investimento privado, ao reconhecer a incapacidade do poder público, na crise atual, de dar ao país, pela ação do governo, o gás que vai retomar e reindustrializar a nossa economia. E ainda precisamos restabelecer o senso de urgência de definir o marco legal a tempo de permitir aos produtores de gás do pré-sal que tragam sua grande oferta para o nosso país – em vez de serem levados a reinjetar ou liquefazer esta riqueza de nosso território para a exportação.

O projeto se baseia na diversidade e na competição, em decisões voluntárias de compradores e vendedores e na criação de uma grande arena nacional – um mercado com escala e suficiente número de agentes. Mas alguns artigos que foram acrescentados ao texto depois de aprovado na Câmara caminham em direção contrária.

Insistimos no texto original porque ele une segmentos que naturalmente vão se posicionar de forma diferente no mercado. Nós, os consumidores, queremos comprar o gás mais barato possível e os produtores vão querer vender pelo preço mais elevado possível. Os transportadores gostariam de assegurar uma boa rentabilidade para seus investimentos e expandi-los. Mas a convergência do projeto é justamente o consenso entre esses agentes de que a criação de um mercado transparente e eficiente será a melhor maneira de equilibrarmos os interesses de todos. E para tornarmos o gás um insumo competitivo no Brasil.

O novo projeto para o mercado de gás não é conciliável com um modelo ultrapassado de volumes medíocres e de preços do gás definidos pelos combustíveis concorrentes, caso a caso. Não se pode, no texto da lei, criar dispositivos desalinhados ao que se busca. E esse é o risco do momento, utilizar a “novilíngua” legislativa para sinalizar, na leitura rápida, de um artigo em uma direção, enquanto nos seus parágrafos e incisos se constrói solução que segue na direção contrária à abertura de mercado.

Para que esse grande mercado nacional seja efetivo, de um lado o projeto segue o dispositivo constitucional de que o transporte nacional de gás deve ser regido pela União e regulado pela ANP. E, ao mesmo tempo, não invade o espaço de cada estado em regular o seu serviço local de gás canalizado, que também é um preceito constitucional. Será deles a decisão de escolher que futuro terá no novo mercado competitivo de gás.

Fica claro para quem está no jogo que as forças que, no Senado, procuraram alterar a proposta aprovada na Câmara, descaracterizariam a ideia original do Novo Mercado de Gás. Enquanto isso, governo e segmentos da oposição, reconhecendo que este é um problema do Estado, convergiram para afastar a proposta de térmicas compulsórias localizadas para viabilizar artificialmente gasodutos e empresas de gás, às custas do consumidor de energia elétrica.

Esses subsídios indevidos poderiam aumentar a conta de energia em até 25% ao ano. Essa medida confirmaria, infelizmente, uma tendência de captura do setor elétrico por interesses específicos que fazem hoje do Brasil o país da energia barata e da conta cara. Vale a pena pagar o custo por uma universalização de tubos, que não universalizam os benefícios do gás e às custas da energia elétrica?

Agora, a Câmara dos Deputados terá a oportunidade de refletir sobre a coerência e a transparência do projeto que recebe de volta. É preciso prestar especial atenção às alterações que caminham no sentido contrário ao de um mercado nacional, que pode ocorrer por meio de uma necessária malha de transporte de construção ágil por autorizações, mas definida e regulada nacionalmente. E não nas mudanças que fragmentariam o país em mercados regionais ou, as ditas “capitanias hereditárias do gás”, que se desenvolveriam em torno de campeões locais e que verticalizam as diversas funções da cadeia do gás: transporte, distribuição, regaseificação, importação e comercialização.

Assim, trocaríamos o mercado que já é medíocre por um mercado que inibe a competição, prejudicando os consumidores e toda a cadeia, ao trocar um monopólio estatal nacional por monopólios privados locais.

Outras alterações parecem estar direcionadas a inibir a diversidade do mercado, o que também favoreceria esses possíveis campeões locais, permitindo, por exemplo, a restrição de atividades como a entrega de gás em caminhões, seja da forma liquefeita ou comprimida. Já vimos que este modelo de “campeões” no setor de infraestrutura, para muitos, favoreceu que o país trilhasse o caminho da ruína moral e é muito ruim qualquer movimento que sinalize que podemos estar flertando novamente com esse risco. A competição é o caminho mais adequado.

Esta é a hora da oportunidade, da transparência e da coerência para que o Projeto de Lei do Gás alcance seus resultados esperados. Quanto mais harmônicos e alinhados forem os dispositivos do projeto, mais efetivo ele será em universalizar benefícios para o país.

Nós, consumidores, agentes da cadeia do gás, reunidos no Fórum do Gás, e de todos os segmentos da indústria, do movimento Gás para Sair da Crise, totalmente alinhados à Confederação Nacional da Indústria (CNI), ao Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) e aos transportadores de gás (ATGás), vamos mais uma vez nos colocar à disposição dos parlamentares para reforçar a importância do equilíbrio e do consenso construídos em torno do texto original, aprovado na Câmara pelo deputado Laércio Oliveira. Prontos para contribuir para que as escolhas que serão feitas sejam as melhores para o conjunto dos brasileiros, ampliando os benefícios do gás para a nossa sociedade.

O que tem de entrar pelo cano é o gás e não as oportunidades que perderemos se os tubos forem custeados pelos consumidores de energia. Aguardamos ansiosamente pelo debate democrático, certos de que o Congresso tomará os melhores rumos.

Paulo Pedrosa é presidente-executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres (Abrace)

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