Opinião

Governança e Governabilidade

Ilusão é ainda mais intensa quando conceitos complexos, expressos por palavras de aparente entendimento incontroverso, são empregados em diferentes contextos

Por Fabio Couto

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Dentre as muitas frases de Bernard Shaw campeãs de citações, uma é particularmente feliz para caracterizar o mundo contemporâneo de intensa conectividade: “o único grande problema na comunicação é a ilusão de que ela tenha ocorrido”. Essa ilusão é ainda mais intensa quando conceitos complexos, expressos por palavras de aparente entendimento incontroverso, são empregados em diferentes contextos. Sem perceber, caminha-se em direção ao pântano das armadilhas semânticas.

Evitando a “armadilha” de explorar os caminhos das expressões “politicamente corretas”, dois exemplos na área de interesse da Brasil Energia e de seus leitores: governança e governabilidade e suas implicações nas políticas públicas e como essas são comunicadas a seus públicos de interesse (“stakeholders”).

Atire a primeira pedra quem não leu ou ouviu a frase (em múltiplas variações) de que o problema do Brasil é de falta de governança. Palavras entram e saem de moda e governança está na moda primavera-verão da crise político-institucional-empresarial que Pindorama está vivendo.

Como ativista da adoção de boas práticas de governança, não posso deixar de concordar que o sistema pelo qual as empresas e demais organizações (inclusive as públicas) são dirigidas, monitoradas e incentivadas, que define a governança corporativa, e a capacidade de ação do Estado para realizar políticas públicas visando atingir objetivos de interesse coletivo (que define a governança pública), são temas de primeira grandeza na agenda de problemas a enfrentar, não só no Brasil.

Bem diferente é a definição de governabilidade, como o conjunto de condições necessárias ao exercício do poder de governar, o que envolve, essencialmente, a eficiência do governo de executar políticas públicas considerando a articulação com forças representativas que formam sua base de apoio, tendo como contrapartida a cessão de
espaços de poder na administração pública a seus aliados.

Se aplicarmos um filtro à cacofonia que o noticiário (instantâneo) nos oferece, uma dúvida é inevitável: os avanços e retrocessos de temas que afetam profundamente o setor de energia, como a privatização da Eletrobras holding e
suas distribuidoras, o drama épico de quem vai pagar o custo das termoelétricas despachadas fora da ordem de mérito ou a blindagem das agências reguladoras a “interferências políticas”, são exemplos de problemas que precisam de solução somente por melhorias de governança ou, quando acordarmos, o dinossauro (da governabilidade) ainda estará lá nos espreitando, citando Augusto Monterroso?

A lei das estatais (13.303/2016) é bom exemplo: tornou mandatórias práticas de governança corporativa que são voluntárias para empresas privadas e subiu a barra. Mas só saberemos se suas implicações para a governabilidade serão efetivas após as AGEs de 2018, quando se encerrar o período de transição. Roberta Paduan (OESP, 17/12/17), tratando do PL que tramita no Congresso sobre as Agências Reguladoras, e Eduardo Melo e Matias Spektor (FSP, 03/12/17), tratando do presidencialismo de coalização, levam a crer que a dúvida é real.

Boas práticas de governança corporativa convertem princípios em recomendações objetivas: alinham interesses, preservam e otimizam o valor econômico de longo prazo de organizações, facilitam o acesso a recursos, contribuem para a qualidade da gestão, a longevidade (das organizações) e o bem comum. Um desses princípios é o da transparência. Para evitar outra armadilha semântica, é definido como o desejo de disponibilizar informações que sejam do interesse de todas as partes envolvidas e não apenas aquelas impostas por leis ou regulamentos.

Quando palavras como governança e governabilidade são utilizadas como sinônimos, ou, pior, quando governança é apontada como “solução” para o problema que se quer ocultar, o da governabilidade, o risco não é só o da ilusão da comunicação: é o da prática do “novopensar” e da “duplafala”, citando George Orwell.

Governança é preciso, sempre. Mas é preciso, igualmente, cuidado para que os venenos da governabilidade não contaminem a boa prática da governança.

Eduardo José Bernini, é mestre em políticas públicas pela FGV-SP e MBA em Governança Corporativa

Outros Artigos