Opinião

É preciso legislar e regulamentar olhando para a frente, não para o retrovisor

É urgente que legislação e regulamentação do setor passem a ter um novo paradigma: um viés de futuro e estímulo de inovações e soluções, que induzam à eficiência, como foco no usuário e na descarbonização, consciente e crescente

Por Mariana Saragoça

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Uma das grandes mazelas do Brasil é a legislação e a regulamentação editadas já com atraso, fruto de legislar e regulamentar “por contingência”, o que resulta em uma série de jabutis, “puxadinhos” e jabuticabas pensadas e inseridas nos textos legais para lidar com problemas criados pela incapacidade de planejamento de longo prazo e de se antecipar cenários críticos. 

A “novela” é conhecida e parece se repetir – o planejamento idealizado falha, o problema – que poderia ter sido antecipado – “surge”, aprova-se uma nova norma (muitas vezes discutidas às pressas) para lidar com o problema criado pela falha no planejamento, aloca-se o custo da solução, como regra geral, no usuário (ou nos contribuintes) e, quando há tentativa de socialização do custo entre os agentes, normalmente há judicialização no setor. Esse problema é bastante agravado no setor de energia.

Além disso, diversas discussões relevantes acabam sendo polarizadas com argumentos rasos em verdadeiro Fla X Flu sem a devida reflexão. Inúmeros são os exemplos. As grandes questões não são: Ter ou não ter geração distribuída? Despachar ou não despachar térmicas? Ter ou não ter subsídios para renováveis? Permitir ou não permitir a abertura do mercado livre de energia para todos?

As respostas às questões acima não são binárias e mutuamente excludentes. Pelo contrário, as melhores perguntas e, consequentemente, as respectivas respostas, certamente, decorrem do exercício de calibragem dos incentivos, de uma correta visão sobre o valor e os custos atrelados e de análises aprofundadas de diversos cenários, inclusive da realidade, que se impõe. 

Afinal, se as opções fossem ter racionamento ou evitar um novo racionamento em virtude de mais geração distribuída, térmicas, renováveis e mercado livre de energia para todos, alguém em sã consciência optaria pela primeira opção ou, ainda, demonizaria uma determinada fonte de energia em prol das demais? 

Sabendo que existem estudos que apontam que, em comparação com os mais velhos, os mais jovens estariam mais dispostos a pagar mais pela energia para incentivar a geração de energia limpa, continuaremos adotando as mesmas premissas de dezenas de anos atrás em que o custo era o principal fator na tomada de decisões?

É urgente que a legislação e a regulamentação do setor de energia passem a ter um novo paradigma: um viés de futuro e estímulo de inovações e soluções, que induzam à eficiência, como foco no usuário e na descarbonização, consciente e crescente. 

Assim, além de assegurar o básico para que o Brasil possa prosperar (afinal, segurança energética é pressuposto para que haja desenvolvimento socioeconômico), é necessário passar a prever regras claras para estimular a hibridização de usinas, os recursos de armazenamento, o uso energético de resíduos sólidos urbanos, as plantas de biometano, as eólicas offshore, o hidrogênio verde, as smart cities e a transição energética justa. 

Não há dúvidas de que temos condições de assumir a vanguarda em várias dessas discussões e de aprender com cases de sucesso existentes em outros países, pavimentando um caminho de crescimento sustentável, pautado na correta avaliação dos riscos e oportunidades. Além disso, é imprescindível ter senso de urgência.

Nesse contexto, é forçoso reconhecer que a postura de combate às mudanças climáticas, condensada na sigla ESG tornou-se uma espécie de novo mantra no setor de energia globalmente, sendo uma pauta comum a diversas empresas multinacionais e stakeholders importantes do ponto de vista geopolítico. Cabe, portanto, reiterar o alerta de que o Brasil pode se tornar menos atrativo para os investidores e ter diversos prejuízos caso as nossas normas e atitudes estejam na contramão desse movimento. 

A oportunidade de legislar e regulamentar olhando para frente não deve ser desperdiçada (mais uma vez). 

Mariana Saragoça é advogada, sócia do escritório Stocche Forbes; Bruno Gandolfo Damico é advogado, sócio do escritório Stocche Forbes

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