Opinião

Crise energética no Brasil: Impacto do nível do reservatório hidrelétrico na vazão do rio – parte III

Observação foi testada com níveis históricos de reservatórios e dados de vazão de rios de várias barragens no Brasil. Terceira parte apresenta os resultados da análise operação dos reservatórios sobre a vazão

Por Julian Hunt

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Resumo:  as estratégias de gestão da água podem ter impactos consideráveis no clima e na hidrologia regionais. Geralmente, a construção e operação de energia hidrelétrica reduzem a vazão do rio a jusante devido ao aumento da evaporação. No entanto, este trabalho mostra que em regiões úmidas, como no Brasil, os reservatórios de armazenamento de energia hidrelétrica contribuem para aumentar a vazão do rio.

Esta observação foi testada com níveis históricos de reservatórios e dados de vazão de rios de várias barragens no Brasil. Verificou-se que a operação de reservatórios no Brasil tem um impacto considerável sobre a vazão de seus rios. Quanto maior o nível de armazenamento no início do período úmido, maior será a vazão do rio durante o período úmido. O trabalho propõe estratégias para permitir que os reservatórios se encham e para manter os reservatórios cheios no futuro, com o intuito de aumentar a geração hidrelétrica e reduzir a intermitência de outras fontes renováveis de energia.

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Resultados

Os resultados da etapa 2 são apresentados na Figura 5 e na Tabela 2. A Figura 5 apresenta uma comparação entre o nível do reservatório em outubro e a vazão média do período úmido nas UHE Furnas, Três Marias, Emborcação, Serra da Mesa, Jurumirim, Nova Ponte, Sobradinho e Paraibúna. Como pode ser visto em todas as barragens, a vazão média do período úmido do rio aumenta com os níveis dos reservatórios em outubro, antes do início do período úmido.

Observe que a análise de vazão da figura é a vazão natural do rio, que já remove a influência da evaporação da água no reservatório e outros distúrbios humanos na vazão. Isso resulta em uma boa comparação da vazão do rio, sem perturbações humanas.

Comparação entre o nível do reservatório em outubro e a vazão média do rio no período úmido nas UHE (a) Furnas, (b) Três Marias, (c) Emborcação, (d) Serra da Mesa, (e) Jurumirim, (f) Nova Ponte , (g) Sobradinho e (h) Paraibúna

Comparação entre o nível do reservatório em outubro e a vazão média do rio no período úmido nas UHE (a) Furnas, (b) Três Marias, (c) Emborcação, (d) Serra da Mesa, (e) Jurumirim, (f) Nova Ponte , (g) Sobradinho e (h) Paraibúna

A Tabela 2 mostra que, em média, a vazão do rio em todas as barragens aumenta 112% se o reservatório estiver cheio em outubro, em comparação com se o reservatório estiver vazio. A barragem que apresenta o maior aumento na vazão do rio com reservatório cheio é Jurumirim, no rio Paranapanema, que resulta em um aumento de 213% na vazão do rio.

A barragem cujo nível do reservatório tem menos impacto na vazão do rio é a represa do Paraibuna, no rio Paraíba do Sul, com aumento na vazão de 47,1%. O coeficiente de determinação (R²) é calculado para estimar até que ponto o volume do reservatório em outubro impacta a vazão média do rio no período chuvoso.

Resíduos padrão maiores que 2 ou menores que -2 são removidos e o R2 sem dados incomuns também é estimado. A barragem com maior e menor R2 com e sem dados incomuns é Jurumirim com 0,301 e 0,418 e Paraibuna com 0,113 e 0,143.

Tabela 2: Aumento da vazão do rio com mudança total no nível do reservatório e constantes da linha de regressão

Tabela 2: Aumento da vazão do rio com mudança total no nível do reservatório e constantes da linha de regressão

Os resultados da etapa 3 são apresentados na Figura 6, Figura 7, Tabela 3 e Tabela 4. Com o intuito de estimar o aumento da geração hidrelétrica, foram adicionadas a cabeceira da barragem em análise e as barragens em cascata. O reservatório de armazenamento que possui a maior queda de geração hidrelétrica a jusante é Nova Ponte com 641,6 metros, conforme mostrado na Tabela 3.

O reservatório de armazenamento com a menor queda de geração fora das barragens selecionadas é Sobradinho com 306,9 metros. Multiplicando esta queda de geração pelo aumento na vazão do rio na Tabela 2, a aceleração da gravidade e assumindo uma eficiência de geração de 90%, o aumento na geração em cascata é encontrado.

A barragem com o maior aumento na geração em cascata com a mudança no nível do reservatório em outubro é a barragem de Sobradinho com um aumento médio de 4,36 GW durante o período chuvoso. A barragem com menor aumento de geração é a Paraibuna com 0,09 GW.

Tabela 3: Descrição da barragem, análise e ordem de enchimento do reservatório proposta

Um aspecto importante para planejar a ordem de enchimento dos reservatórios é a capacidade de armazenamento de energia das barragens dos reservatórios. Se a geração hidrelétrica for reduzida para permitir a recomposição dos reservatórios, o fornecimento de energia elétrica para o país terá que vir de outras fontes, ou a demanda de energia elétrica será reduzida. Das barragens analisadas neste estudo, aquela com a maior capacidade de armazenamento de energia é Serra da Mesa com 47,6 GW médios (isso é energeticamente equivalente a uma usina gerando 47,6 GW de eletricidade continuamente por um mês). A barragem com menor capacidade de armazenamento em Paraibuna com 3 GW médios.

As barragens que devem ser preenchidas primeiro são as que terão o maior aumento na geração de energia hidrelétrica com a menor necessidade de armazenamento de energia. Isso é encontrado dividindo as colunas “Aumento na geração em cascata (GW)” pela coluna “Capacidade de armazenamento do reservatório (GW médios)”. Quanto maiores os valores, maior a prioridade de enchimento da barragem.

Após o enchimento de todas as barragens de reservatórios no Brasil, o foco é operar os reservatórios com o intuito de aumentar ao máximo a vazão do rio, mas ao mesmo tempo minimizar o vertimento. Quanto mais baixo o nível do reservatório em outubro, maior a capacidade da barragem para armazenar o excesso de vazão do rio e reduzir o vertimento. No entanto, se o nível do reservatório estiver muito baixo, a vazão do rio diminui significativamente, conforme mostrado neste artigo. Quanto maior o fator de capacidade de geração de energia hidrelétrica durante o período úmido, menor é a vazão vertida.

A Figura 6a assume que a barragem de Furnas opera com 100 a 30% de sua capacidade de geração e mostra a geração média de eletricidade no período úmido nas barragens em cascata, assumindo que a vazão do rio segue as linhas de regressão na Figura 5 e Tabela 2. Observe que isso é uma vazão média do rio, portanto, haverá anos com vazão maior e anos com vazão menor, o que não é considerado neste artigo. Metodologias para minimizar ainda mais o vertimento são propostas aqui e aqui.

 

Figura 6: Geração média de eletricidade no período úmido nas barragens em cascata com diferentes níveis dos reservatórios de Furnas em outubro e diferentes fatores de capacidade de geração nas barragens em cascata (a) com capacidade instalada existente e (b) com capacidade instalada 50% maior

Figura 6: Geração média de eletricidade no período úmido nas barragens em cascata com diferentes níveis dos reservatórios de Furnas em outubro e diferentes fatores de capacidade de geração nas barragens em cascata (a) com capacidade instalada existente e (b) com capacidade instalada 50% maior

Dado que o potencial hidrelétrico no futuro será utilizado para complementar a geração com fontes de energia eólica e solar, uma boa capacidade de geração no período chuvoso é de cerca de 50% (linha verde na Figura 6a e b). Neste caso, o nível ótimo da barragem de Furnas em outubro é de 80%, assumindo a capacidade de geração existente (Figura 6a), o que resulta em uma geração média de eletricidade no período úmido de 7,65 GW, e 90% se a capacidade de geração da barragem de Furnas e as barragens em cascata aumentam 50% (geração média de eletricidade no período úmido de 8,25 GW).

A Figura 7a apresenta a vazão do rio menos a vazão vertida dividida pela vazão média do rio se as barragens operarem com um fator de capacidade de geração de 70%. O valor máximo de cada barragem consiste no nível ótimo do reservatório em outubro. Esses valores são apresentados na Tabela 4.

Como pode ser visto os reservatórios com grande capacidade de armazenamento em comparação com a vazão do rio, como Serra da Mesa Sobradinho e Paraibuna devem operar com reservatório em 95% em outubro. A barragem com grande afluência e potencial de armazenamento não tão grande deve operar com 80%, como a de Jurumirim. Alterando o fator de capacidade de geração para 50%.

A barragem que deve operar com maior nível de reservatório é Paraibuna, com 95% da capacidade de armazenamento do reservatório em outubro. As barragens que devem operar com o nível do reservatório mais baixo são Jurumirim, Três Marias, Furnas, Nova Ponte com 70% da capacidade de armazenamento do reservatório.

Figura 7: Vazão do rio menos vertimento dividido pela vazão máxima do rio (%), assumindo (a) uma capacidade de geração de 70% e (b) capacidade de geração de 50%

Figura 7: Vazão do rio menos vertimento dividido pela vazão máxima do rio (%), assumindo (a) uma capacidade de geração de 70% e (b) capacidade de geração de 50%

Tabela 4: Nível ideal do reservatório da barragem em outubro com diferentes fatores de capacidade de geração de energia hidrelétrica no período úmido

Tabela 4: Nível ideal do reservatório da barragem em outubro com diferentes fatores de capacidade de geração de energia hidrelétrica no período úmido

Este artigo está dividido em quatro seções. Na última terça-feira (28/09) foi publicada a introdução. A seção 2, publicada no último dia 30/09, apresenta a metodologia implementada para a análise. A seção 3, esta que foi publicada nesta terça-feira (05/10), apresenta os resultados do artigo. A seção 4 discute os resultados desta pesquisa. A seção 5 conclui o artigo.

Julian David Hunt e Roberto Brandão são pesquisadores do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel/UFRJ); Nivalde José de Castro é coordenador do Gesel/UFRJ. 

O artigo também teve contribuições de: Andreas Nascimento (UFES), Carla Schwengber ten Caten (UFRGS), Fernanda Munari Caputo Tomé (IEE-USP), Paulo Smith Schneider (UFRGS), Andre Luis Ribeiro Thomazoni(UFRGS), Marcos Aurelio Vasconcelos de Freitas (UFRJ), Jose Sidnei Colombo Martini (Poli-USP), Dorel Soares Ramos (Poli-USP) e Rodrigo Senne (Âmbar Energia).

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