Opinião

Apertem os cintos que lá vamos nós (novamente?)

Ainda que se pretenda dar novos rótulos às ações cujas consequências são as mesmas, não as nomeando como um racionamento compulsório, é inegável que todos nós sentiremos o impacto tarifário correspondente, com efeitos nefastos

Por Mariana Saragoça

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No último mês, em especial na última semana, o Brasil assistiu a uma série de manifestações negando a ocorrência de um racionamento de energia ao mesmo tempo em que cresceram os apelos para redução voluntária do consumo, tendo sido, finalmente, tomadas medidas concretas para a redução incentivada da demanda pelos consumidores, inclusive os cativos (i.e. aqueles atendidos pelas concessionárias de distribuição de energia elétrica). 

Em apertada síntese, os dados apontaram sinais claros de deterioração e foi preciso reconhecer que as medidas que haviam sido adotadas até o momento se mostraram pouco efetivas. 

Com efeito, a Nota Técnica elaborada pelo ONS, atualizada no último 25 de agosto, traçou dois cenários para os meses de setembro a novembro. Em ambos, os recursos são insuficientes para o atendimento à demanda e novas ações de curto prazo foram recomendadas. 

No mesmo dia, o Decreto nº 10.779/2021 determinou medidas para a redução do consumo de energia elétrica no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, estabelecendo a meta de 10 a 20% redução do consumo de energia elétrica nos meses de setembro de 2021 até abril de 2022 em relação à média do consumo do mesmo mês nos anos de 2018 e 2019. 

O ministro de Minas e Energia, também em 25 de agosto, anunciou que, a partir de 1º de setembro, seria implantado o programa de redução voluntária da demanda para o mercado cativo. Por sua vez, em 26 de agosto, o ministro da Economia indicou que teríamos um novo aumento dos valores da bandeira tarifária e o presidente pediu que a luz fosse desligada em uma de suas habituais lives.

Dito e feito, foram divulgadas novas regras pela Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG). 

A primeira delas instituiu o Programa de Incentivo à Redução Voluntária do Consumo de Energia Elétrica para unidades consumidoras dos grupos A (exceto classes de consumo poder público, iluminação pública e consumo próprio) e B (classes de consumo residencial, industrial, comércio, serviços e outras atividades, rural e serviço público) no mercado regulado. Em um primeiro estágio, tal Programa vigerá por 4 meses a partir de 1º de setembro de 2021, podendo ser prorrogado até abril de 2022, a depender de nova avaliação.

Tal Programa será  implementado mediante a concessão de bônus em fatura, no valor de R$ 50,00 para cada 100 kWh, em contrapartida da redução média verificada do consumo de energia elétrica em montante igual ou superior a 10% e limitado a 20%, por unidade consumidora, apurada de forma cumulativa nas faturas referentes às competências de setembro a dezembro de 2021, comparativamente ao consumo médio de cada unidade consumidora nas faturas referentes às competências de setembro a dezembro de 2020 com histórico de medição. Os custos serão cobertos por meio do encargo destinado à cobertura dos Custos do Serviço do Sistema.

O Programa não se aplica às unidades consumidoras que participam do sistema de compensação de créditos de energia gerados por geração distribuída e eventuais pleitos de recomposição de desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão e permissão do serviço público de distribuição energia elétrica decorrentes do Programa serão analisados pela Aneel.

A segunda delas determinou à Aneel que implemente a Bandeira Escassez Hídrica, no valor de R$ 142,00/MWh, que deverá vigorar entre setembro de 2021 a abril de 2022 e não será aplicável aos consumidores inscritos na Tarifa Social. 

O valor decorrente da referida Bandeira incluirá os custos decorrentes das medidas para atendimento eletroenergético do Sistema Interligado Nacional – SIN definidas pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e pela CREG (importação, usinas merchant, UTEs diesel, regaseificador Pecém, UTEs Óleo Combustível), os custos associados à condição operativa não ordinária do sistema elétrico em razão das severas condições hidrológicas e os custos não cobertos pela sistemática das bandeiras necessários para equilibrar receitas e despesas ao final do ciclo vigente das Bandeiras Tarifárias.

Ainda que se pretenda dar novos rótulos às ações cujas consequências são as mesmas, não nomeando as medidas como um racionamento compulsório propriamente dito, é inegável que todos nós sentiremos o impacto tarifário correspondente e que os efeitos de tais medidas sobre a economia brasileira podem ser nefastos.

Além disso, não se pode perder de vista a importância de se preservar a saúde financeira das distribuidoras, não restando dúvidas de que, tal como em 2001, não se trata do risco ordinário da variação da demanda no caso concreto. Finalmente, o déficit do GSF esperado para 2021, mais uma vez, pode colocar as geradoras em uma situação crítica, fator que merece a devida atenção para evitar uma nova onda de judicialização no setor.

Diante de todas essas variáveis e riscos, é preciso que os agentes envolvidos nas discussões reajam de forma célere e com base em análises técnicas antes que haja um agravamento incontornável da situação e só nos reste o sentimento de déjà vu

Mariana Saragoça e Bruno Gandolfo Damico são advogados, sócios do escritório Stocche Forbes que atua na área de Infraestrutura

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