Opinião

Ano novo, mesmos problemas: o que podemos aprender com a maior crise hídrica do Brasil

Fortes chuvas deixaram reservatórios mais cheios em janeiro, o que poderia até aparentar possível tranquilidade para o setor de energia. Porém, essa tranquilidade não é uma realidade para o país: ainda estamos longe de vencer a maior crise hídrica da história

Por Ronaldo Valiño

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O ano de 2022 chegou trazendo muita chuva em todas as regiões do Brasil, provocada pela intensificação de fenômenos naturais, como o La Niña – que aumenta a pressão da  atmosfera no Pacífico, causando temporais no Norte e Nordeste. Além das tragédias urbanas que, certamente, ninguém gostaria de ter presenciado, as fortes chuvas deixaram os reservatórios mais cheios em janeiro, o que poderia até aparentar uma possível tranquilidade para o setor de energia. 

Porém, essa tranquilidade não é uma realidade para o país: ainda estamos longe de vencer a maior crise hídrica da história e, após essa estação chuvosa, tudo indica que voltaremos a sofrer com a seca e, consequentemente, possível falta de energia e tarifas de maior valor.

Isso porque o consumo de água aumentou mais que a capacidade de renovação devido ao crescimento populacional, atividades industriais e agricultura, entre outros fatores. Além disso, diversos estudos apontam para a diminuição do nível de chuvas anual no Brasil, decorrente a fatores como aquecimento global, desmatamento e mudanças climáticas do planeta. 

Tudo isso aponta para a urgente necessidade de o país diversificar e equilibrar sua matriz energética com outras fontes de energia limpa. Atualmente, para evitar o risco  de racionamento, o Governo Federal vem adotando medidas de curto prazo como a geração de energia elétrica por meio de usinas termelétricas e a oferta de países vizinhos. Contudo, a conta sai cara e a consequência dessas ações está sendo sentida no bolso da população e no nível de poluição ambiental.

Oferta interna de energia elétrica por fonte

1. Inclui gás de coqueria 2. Inclui importação de eletricidade 3. Inclui lenha, bagaço de cana, lixívia e outras recuperações                                                                                                                                                                                            Fonte: BEN - Balanço Energético 2021; EPE, acessível em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados abertos/publicacoes/balanco-energetico-nacional-2021

Para um cenário socioeconômico e ambiental sustentável, novos investimentos de médio e de longo prazos devem ser estruturados, contribuindo para uma oportuna adaptação da infraestrutura energética renovável, em especial considerando a eólica e solar, ambas de grande potencial de geração de energia em nosso território.

A ação de adaptação deve ser feita sob medida para as circunstâncias regionais brasileiras, bem como considerar a importância estratégica dos ativos energéticos atuais. A definição de políticas adequadas e o planejamento de investimento eficaz e oportuno para uma alteração da matriz energética brasileira menos dependente da gerada por hidrelétricas serão decisivos para uma resposta brasileira à crise hídrica.
O país precisa acelerar o projeto de implementação e remover os obstáculos para as organizações do setor privado que tentam contribuir com uma matriz renovável, promovendo uma regulamentação adequada e ajustes necessários em políticas para incentivar essa transição.

A boa notícia é que já existe um movimento, ainda que discreto, nesta direção. Em 25 de janeiro, por exemplo, o Governo Federal editou o Decreto nº 10.946/2022, que abre espaço para o desenvolvimento da geração de energia eólica em alto mar (offshore, no termo em inglês), tecnologia bastante adotada na Europa e que tem relevante capacidade de geração de energia por aqui também.

O relatório do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em 2021 também aponta que as usinas hidrelétricas passarão a ser responsáveis por menos da metade da oferta de eletricidade brasileira até 2031.

Esse estudo indica as perspectivas de expansão do setor de energia ao longo de uma década e, segundo a estatal de planejamento, um dos principais objetivos ao longo da elaboração desta última edição foi incorporar as lições aprendidas com a crise hídrica que o Brasil viveu no ano passado.

A EPE estima no plano que outras fontes renováveis devem ganhar espaço. A previsão é que a participação da geração solar cresça de 2% ao final de 2021 para 4% em 2031, enquanto a eólica deve passar de 10% para 11% nesse mesmo período. Já a autoprodução de energia e a geração distribuída renovável, modalidades na qual o consumidor gera sua própria energia principalmente por meio da instalação de placas fotovoltaicas, deve sair de uma participação de 8% para 17% na matriz em dez anos. Portanto, a geração solar e eólica, em conjunto com a geração distribuída, devem atingir 32% da matriz energética brasileira em 2031.

Estes são alguns exemplos de boas notícias e mostram um cenário promissor para os próximos anos. Fica a pergunta se, de fato, o Brasil conseguirá fazer da crise uma oportunidade de desenvolvimento.

Ronaldo Valiño é sócio e líder da indústria de Energia e Recursos Naturais da PwC  Brasil; Fernando Chemin é diretor da área de Projetos de Capital & Infraestrutura da PwC  Brasil; Vinicius Ventura, gerente da indústria de Energia e Recursos Naturais da PwC Brasil.

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