Opinião

Alessandra Amaral, da Energisa Comercializadora: Os desafios da comercialização no setor elétrico brasileiro

Por Alessandra Amaral

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O atual modelo de comercialização do setor elétrico brasileiro, regulamentado pela Lei 10.848 e pelo Decreto 5.163, ambos de 2004, tem como objetivos garantir a atração do investimento e o acesso da população ao serviço de energia elétrica, com menor tarifa possível.

Passados 15 anos e diversas mudanças, tanto sob o aspecto da oferta quanto da demanda de energia, se torna necessária a revisão do modelo de comercialização. Do ponto de vista da oferta, nos últimos anos, houve um forte crescimento das fontes intermitentes, sobretudo as eólicas.

Segundo o Plano Decenal de Expansão para 2018 a 2027[1], estima-se que a capacidade instalada no Brasil cresça 44% nos próximos 10 anos, alcançando 226,6 GW em 2027. Este crescimento se dará, sobretudo, pelas fontes renováveis, com destaque para a energia solar e eólica.

Dois pontos chamam a atenção a respeito do crescimento da matriz elétrica brasileira com base nas fontes intermitentes. O primeiro é que, com a exaustão dos reservatórios, o crescimento da matriz se baseará, principalmente, nas usinas a fio d´água e outras fontes intermitentes. Assim, o atributo da despachabilidade, inerente às usinas com capacidade de regularização do sistema, se torna cada vez mais raro o que, em outras épocas, significaria expansão calcada em usinas térmicas. Hoje, outras soluções se tornaram viáveis, como o armazenamento de energia por meio de baterias, as hidrelétricas reversíveis ou os mecanismos de resposta à demanda.

O segundo ponto sobre as fontes renováveis na matriz brasileira é a sua grande complementariedade, não apenas sazonal – geração hidráulica concentrada, por exemplo, de novembro a março, enquanto as usinas a biomassa e eólicas se concentram de abril a novembro –, mas também geográfica, com hidráulicas, térmicas e biomassa mais localizadas no Sudeste e Centro-Oeste, e eólicas e solares, no Nordeste.

Do lado da demanda, destaca-se o elevado crescimento do mercado livre nos últimos anos, fruto da combinação da crise econômica com a necessidade de redução de custos por consumidores industriais e comerciais, além do aumento das tarifas e das janelas de oportunidade advindas dos preços mais acessíveis. Atualmente, o mercado livre representa 30% do Sistema Interligado Brasileiro (SIN), tendo crescido 36% desde 2010. A elevação do número de agentes na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) também é significativa. Os 4.876 Consumidores Especiais, os 887 Consumidores Livres e as 264 Comercializadoras atuais representam um crescimento de 972%, 83% e 184%, respectivamente, em relação a 2010[2].

O aumento do market share do mercado livre também se relaciona a uma nova postura do consumidor. O mundo vivencia a Quarta Revolução Industrial, na qual a transformação digital lidera mudanças sem precedentes na economia e na vida das pessoas. No contexto do setor, surge um cliente conectado e interessado em gerar a sua eletricidade e fazer escolhas que valorizem a energia limpa. Assim, surgiu o termo “prosumer”, aquele que produz e consome sua energia.

Esta revolução, que parte de um cliente mais empoderado e digital, requer a reinvenção de todos os elos que compõem a cadeia do setor.

Diante dessas mudanças, o modelo de comercialização vem sendo revisto. Para 2019, há diversos desafios a serem vencidos no sentido de garantir o desenvolvimento do mercado com fluidez e sustentabilidade.

Dado que o mercado livre representa 30% do SIN, é preciso criar condições de financiabilidade para projetos de geração voltados para este mercado. Para tanto, é necessária a identificação de suas características específicas em relação a prazos contratuais e liquidez.

Outro ponto importante é o reconhecimento do papel desempenhado pelas comercializadoras. Como trabalham com um grande grupo de fornecedores e clientes, e existe uma clara complementaridade entre as fontes e usos, as comercializadoras compõem um fundamental colchão de risco ao comprar energia de geradores e vender para consumidores, de acordo com as características de sazonalização e riscos de geração e consumo de cada agente.

O Projeto de Lei 1917, em tramitação no Congresso Nacional, traz medidas que objetivam adequar o modelo de comercialização à atual realidade do mercado, tais como a separação do lastro de energia, a introdução do preço horário e a redução gradativa dos limites exigidos para a migração para o mercado livre.

A alteração dos limites para a migração para o Ambiente de Contratação Livre (ACL), recentemente instituída pela Portaria 514, foi um primeiro, ainda que tímido, avanço neste sentido. Passados bem mais de uma década do modelo de comercialização, esperamos que seja apenas o começo e que as demais alterações, tão necessárias para a boa evolução do mercado, ocorram ao longo de 2019.

Alessandra Amaral é presidente da Energisa Comercializadora

[1] PDE 2027, publicado pela EPE.

[2] Fonte: CCEE – Infomercado Mensal, atualizado em 11/01/2019.

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