Opinião

A arbitragem no setor elétrico brasileiro

Decisão inédita da Aneel autoriza a utilização de arbitragem em disputa sobre o reequilíbrio da relação econômica das partes em contrato de concessão

Por Raquel Mansanaro

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A procura pelos tribunais para solução de conflitos relacionados ao setor elétrico brasileiro (SEB) se intensificou a partir de 2012 e se tornou um dos principais desafios a serem superados. Embora possível a busca da via judicial pelos agentes setoriais, a revisão de decisões que envolvem regras de grande especialidade, tomadas pela agência reguladora do setor, pode afetar todo o sistema, gerando consequências de ordem técnica e econômica. Nesse sentido foi a onda de decisões em caráter de urgência, iniciada em 2015, que protegia alguns geradores de energia dos efeitos do risco climático existente na operação de usinas hidrelétricas, com grandes impactos financeiros ao mercado de energia.

A arbitragem é um meio de solução de conflitos que pode reduzir a procura dos tribunais para resolver questões do setor. O Decreto nº 10.025/2019, que regula a arbitragem para solucionar litígios envolvendo a União Federal ou as entidades da administração pública federal e concessionários, dentre outros, nos setores portuário e de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário, prevê que estas entidades podem se valer da via arbitral para a solução de conflitos, como, por exemplo, questões relacionadas ao restabelecimento da relação econômica que as partes apresentavam quando da assinatura de contrato de concessão. 

Com base nessa legislação, em decisão inédita proferida em setembro de 2021, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a celebração de Termo de Compromisso Arbitral a ser firmado entre Transnorte Energia S.A – TNE e Aneel, com interveniência de União Federal, Funai e Ibama, para tratar sobre o reequilíbrio do contrato de concessão da Linha de Transmissão de 500 kV Lechuga – Equador – Boa Vista, que faria a ligação do Estado de Roraima ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

O contexto desta autorização está relacionado ao fato de que, em agosto de 2015, a TNE requereu à Aneel a extinção amigável do contrato, devido à impossibilidade de continuidade das obras e desequilíbrio econômico causado pelo atraso no cronograma de implantação do projeto. A Aneel , em dezembro de 2016, reconhecendo as dificuldades apresentadas e a exclusão de responsabilidade da TNE por tal atraso, recomendou ao Ministério de Minas e Energia (MME) a extinção do contrato. 

Em setembro de 2017, a TNE ingressou com ação pelo procedimento comum, com pedido de extinção contratual pela via judicial e indenização por perdas e danos. Em paralelo, o MME, em fevereiro de 2018, reconheceu que a continuidade da obra era de interesse público e se manifestou contrariamente à recomendação da Aneel, sugerindo a análise do reequilíbrio econômico-financeiro da concessão

Em abril de 2019, a concessionária formalizou pedido de reequilíbrio econômico-financeiro perante a Aneel. Na via judicial, a TNE obteve decisão favorável em primeira instância, aceitando o pedido de rescisão contratual e condenando a União ao pagamento de indenização pelos danos materiais, que seriam analisados em apuração posterior. Na esfera administrativa, a Aneel, em última instância, rejeitou o pedido da TNE de reconsideração da decisão. Inconformada com o valor da receita de equilíbrio decidida pela Agência, a TNE apresentou à Aneel proposta de iniciação do procedimento de arbitragem para solução da controvérsia referente à possibilidade de cumprimento do contrato de concessão.

A particularidade e a especificidade do pleito são claras, uma vez que envolve solução estrutural para a ligação entre Manaus – Boa Vista, conectando o Estado de Roraima ao SIN, e o processo de licenciamento ambiental – que foi discutido desde sua fase de planejamento, com amplo diálogo entre as instituições envolvidas e a comunidade indígena Waimi Atroari – perdurou por mais de dez anos.  O processo demandou participação do MME, de modo a demonstrar as vantagens técnicas e econômicas da manutenção do contrato com a TNE, além de avaliação jurídica, realizada pela Advocacia Geral da União (AGU) e Procuradoria Federal junto à Aneel.

Embora exista previsão de arbitragem como forma de solução de controvérsias em contratos de relações privadas no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), são poucas as cláusulas arbitrais em contratos de concessão do setor elétrico. Desse modo, a decisão do caso da TNE representa importante precedente sobre a utilização da arbitragem em litígios relacionados a contratos de concessão, sinalizando uma possibilidade de avanço na solução de temas referentes ao setor pela via arbitral.

​​Raquel Mansanaro e Bruna Correia são, respectivamente, sócia da área de Solução de Conflitos e Advogada Sênior da Área de Energia do BMA Advogados.

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